Há o mito de que não é vantajoso englobar dividendos se o seu escalão de IRS estiver acima de 28%. Será que é mesmo assim?
Os impostos em Portugal não são simples de decifrar. Pouca informação e muita desinformação tornam algo que já é complexo num grande quebra-cabeças.
Deixe-me ir direto ao assunto. Se a maioria dos seus rendimentos de capitais (categoria E) são provenientes de dividendos de empresas portuguesas ou europeias que cumpram os requisitos da diretiva 2011/96 UE, então compensa englobar. E isto é verdade mesmo que o seu rendimento coletável esteja acima dos 81 000 € anuais.
Os 3 tipos de rendimentos
Há 3 tipos de rendimentos que são determinantes para verificar se lhe compensa ou não englobar os dividendos de ações, e claro, os restantes rendimentos da Categoria E. Optando pelo englobamento, deverá englobar todos os rendimentos desta categoria tais como juro de depósitos, etc.
#1: Rendimento Coletável
Este é o rendimento coletável geralmente proveniente da categoria A, no entanto, se está a englobar outra categoria, deverá ter também esse valor em conta.
#2: Dividendos sujeitos a tributação em 50%
Estes são os rendimentos provenientes de dividendos de ações portuguesas e também de empresas europeias que cumpram os requisitos da diretiva 2011/96 UE. Acredito que a grande maioria destas empresas cumprem esses requisitos, mas é necessário prova emitida pelas finanças do país da sede dessas empresas.
Na verdade, é relativamente fácil obter esta prova. Em vez de tentar contactar as finanças, pode enviar um email diretamente às empresas e solicitar a declaração. Num artigo anterior, explico mais detalhadamente este processo e disponibilizo também um template que pode usar para enviar às empresas.
Alguns leitores também já disponibilizaram algumas declarações que obtiveram, pelo que as pode usar e poupar tempo a contactar as empresas. Consulte aqui a lista de declarações de empresas que cumprem a diretiva 2011/96 UE.
#3: Restantes rendimentos da Categoria E
Uma vez que englobando os dividendos, deverá também englobar todos os restantes rendimentos da categoria E, este requisito acaba por ser igualmente importante na simulação.
Se não tiver quaisquer rendimentos da categoria E que estejam sujeitos a tributação a 100% então compensa sempre englobar, mesmo que o valor seja ínfimo. Mais detalhes abaixo.
Simulador de englobamento de dividendos
Porque cada caso é um caso, construí um simulador para que possa fazer uma simulação para o seu caso concreto e ver se realmente lhe compensa ou não englobar os rendimentos da categoria E.
Clique aqui para fazer a simulação no portal OneFinance.pt
Ainda assim, vamos ver quanto poderia economizar em impostos se optasse pelo englobamento dos rendimentos da categoria E nos seguintes cenários:
Cenário 1: Rendimento coletável 50 000€
A Maria teve um rendimento coletável de 50 000€ e, além disso, obteve dividendos de empresas portuguesas no valor de 10 000 € e ainda 1 000 € em juros de depósitos bancários.
Neste caso, prevalece usualmente a mítica opinião que não compensa englobar pois se encontra no escalão de IRS de 50%. Vamos ver se é mesmo assim:
Como pode ver, mesmo com um rendimento coletável relativamente alto, compensa englobar, permitindo à Maria poupar 380 € em impostos.
Cenário 2: Rendimento coletável 26 000€
O João tem um rendimento coletável de 26 000 € e obteve dividendos de empresas europeias, sujeitas a tributação em 50%, no valor de 7 500 €, não tendo obtido quaisquer outros rendimentos da categoria E.
Usando estes dados no simulador, obtemos o seguinte:
Os benefícios do englobamento neste cenário ganham ainda mais destaque, mesmo quando o escalão do IRS do João se situa nos 37%. Optando pelo englobamento, o João pode poupar sensivelmente 712.50 €.
Cenário 3: Rendimento coletável 12 000 €
O Miguel tem um rendimento coletável de 12 000 € e graças à sua grande poupança em certificados de aforro, obteve juros no valor de 5 000 €. A juntar a isto, obteve ainda 100 € de dividendos de empresas portuguesas.
Este cenário permite elucidar que mesmo com um rendimento coletável relativamente baixo, pode não valer a pena englobar se os restantes rendimentos da categoria E têm uma proporção muito elevada face aos demais.
Ao optar pelo englobamento, o Miguel estaria a ser prejudicado em 11.25 €. Não é uma diferença significativa, mas tal poupa-lhe também trabalho adicional de ter de declarar estes rendimentos cujos impostos já foram retidos na fonte.
Conclusão
Englobar ou não englobar, eis a questão. O meu conselho é que não se fie quando lhe disserem que depende apenas do seu escalão do IRS. Os cenários acima confirmam que não é bem assim.
Tudo depende da proporção de rendimento coletável, valor dos dividendos que podem ser tributados em 50% e ainda dos restantes rendimentos da categoria E. Na dúvida, simule.
Por último, esta ferramenta é um simulador meramente informativo que poderá usar como referência, mas que não substitui o simulador da Autoridade Tributária.
Sinto-me tentado a afirmar que muitos leitores optaram por não englobar os dividendos quando o poderiam ter feito e poupado algumas centenas de euros. Se assim foi, talvez ainda dê para fazer uma alteração da última declaração de IRS que entregou. Boas poupanças!
Aproveite e simule agora quanto poderia pagar a menos.
Boa tarde Sérgio,
Excelente artigo.
De notar que o Anexo E tem a possibilidade de simulação de englobamento/não englobamento. Entretanto, diria que uma grande parte de investidores está focado em ações estrangeiras (América) visto que o S&P500 é o índice com melhor crescimento. Infelizmente, com o Anexo J não é possível fazer a simulação no IRS.
Sabes de alguma maneira prática de verificar a discrepância do englobamento com o Anexo J?
Cumprimentos!
Olá Filipe, Obrigado.
A forma prática que uso é a de simular os vários rendimentos do anexo J, nos anexos E ou G, consoante a sua natureza.
Neste caso concreto, no anexo E.
Pode ser que no simulador para 2020 já seja possível simular os rendimentos do anexo J 🙂
Boa noite.
Tenho uma questão relativa à taxação de dividendos.
Sou não residente (China) e tenho uma conta na interactive brokers onde recebo dividendos de várias empresas norte americanas. Declarei residente na China na interactive brokers sendo que pretendo regressar a portugal nos proximos anos.
1) Tenho que declarar os rendimentos de dividendos e, assim, pagar os 28%?
2) Caso não tenha que o fazer, se um dia regressar a Portugal e alterar o meu estatuto na interactive brokers terei que pagar retroativos dos dividendos que recebi em outros anos enquanto não residente?
Desde já obrigado pelo tempo.
Bom dia Frederico,
Se estiver registado nas finanças como não residente, não tem de pagar impostos cá em Portugal sobre os rendimentos obtidos no estrangeiro.
Se um dia regressar a Portugal com o estatuto de residente fiscal, terá de começar a pagar impostos sobre os rendimentos a partir dessa data, mas tanto quanto sei, nunca de forma retroativa.
Espero ter ajudado.
Bons investimentos