Nem todo o dinheiro que guardamos é nosso, e tão depressa interiorizarmos este conceito, melhor para a nossa saúde financeira.
Ah! Você tem 2 000 € numa conta bancária. Sorri, pensado que finalmente conseguiu um dinheirinho extra para aquela aventura há tanto tempo desejada. Pense novamente!
Há um conceito que necessita de entender. Nem todo o dinheiro que guarda é seu!
Tão depressa reconhecer esta ilusão, tão depressa conseguirá organizar a sua vida financeira usando um método espantosamente simples e eficiente.
O dinheiro que tem não é seu, está hipotecado
Antes de mais, é importante realçar e explicar o motivo de parte do dinheiro que temos não nos pertencer. A razão é simples e óbvia: uma parte do nosso dinheiro está automaticamente hipotecado.
Mesmo que cultivasse os seus alimentos, não precisasse de comprar vestuário ou efetuar outras compras banais, não há forma de fugir deste regime hipotecário.
Há uma parte do seu dinheiro que não lhe pertence. Para alguns, todo o dinheiro que têm não lhe pertence. Para outros, mais afortunados, apenas uma pequena percentagem não lhe pertence.
Esta hipoteca não é hipotética, é real. Quais as despesas fixas que tem para o próximo mês, os próximos 3 e 6 meses? Quanto terá de pagar nas suas faturas da água, eletricidade, gás e internet? Que impostos tem de pagar? IMI, IUC, IVA, IRS? Quais os prémios de seguro que vencerão brevemente?
Como vê, estas despesas são certas, por vezes com variações ligeiras, mas ainda assim irrevogáveis. São despesas completamente diferentes de ir ao restaurante, comprar um livro ou uma peça de roupa. Nestas últimas, há um grau de liberdade maior, e podemos decidir no momento se as queremos fazer ou não.
Em relação ao seguro do carro, ao IRS e outras despesas do género, não podemos simplesmente dizer. Umh, não me apetece ter esta despesa. Passo! As consequências são incomparáveis.
A solução: Conta Tranquilidade
Eu tenho um processo que me traz uma grande tranquilidade ao gerir este dinheiro, e funciona extremamente bem para ter paz de espírito. Para mim, nunca me devo preocupar com dinheiro para pagar as minhas obrigações.
Um exemplo muito simples que até a maioria das empresas não entende: quando faturam 1000 €, pensam que esse dinheiro é todo para o normal funcionamento da empresa, mas tal é um erro crasso.
Parte desse dinheiro pertence ao estado, na forma de IRC, IVA, Segurança Social, etc. O que vai acontecer é que gastam este dinheiro e quando chega o famigerado mês de pagamento, não há dinheiro para tal. Porquê? Porque gastaram dinheiro que estava à sua guarda, mas que não lhes pertencia. Não deixe que isto aconteça consigo.
Uma solução possível é a de ter uma conta bancária completamente independente para este tipo de despesas. Dependendo da tranquilidade financeira que almeje, tenha dinheiro suficiente para os próximos meses.
Eu gosto de trabalhar com períodos de 6 a 9 meses. Se não lhe for possível, tenha o dinheiro disponível para os próximos 3 a 6 meses.
Uma outra regra importante: quando fizer um levantamento do seu património, esqueça que tem esta conta. O dinheiro não lhe pertence.
Passos para implementar o processo
Há uma série de passos que poderá usar para o ajudar a operacionalizar o processo aqui descrito.
#1: Identifique as suas despesas irrevogáveis
Como explicado acima, há um conjunto de despesas que não conseguimos fugir facilmente. São estas que demos identificar, assim como os vários montantes que podemos prever para um futuro próximo. Aqui ficam alguns exemplos, que poderá completar de acordo com o seu caso particular:
Impostos
- IUC – Já sabe quanto vai pagar e em que mês? Anote o valor;
- IMI – Calcule se paga tudo numa única prestação ou em várias e calendarize os pagamentos;
- IRS – Inclua o montante previsto que irá pagar;
- IVA – Se passar faturas, e estiver sujeito ao IVA trimestral, transfira imediatamente o valor do IVA para esta conta;
- Segurança Social – De forma análoga ao IVA, quando emite uma fatura já saberá quanto irá pagar de IRS no próximo trimestre. Esse dinheiro não lhe pertence;
Serviços
- Internet, TV, Telefone
- Telemóvel
- Electricidade
- Água
- Gás
- Ginásio
- Rendas
Seguros
- Seguro automóvel
- Seguro habitação
- Seguro saúde
Empréstimos e pagamentos parcelados
Inclua aqui todos os empréstimos bancários, e outros pagamentos parcelados que esteja a fazer.
#2: Crie uma tabela Excel com o mapa das despesas
Após o processo de identificação das suas despesas, e necessário colocá-las de uma forma que seja fácil a sua interpretação e de quando estas responsabilidades baterão à porta. Para tal, sugiro usar o Excel ou uma folha Google Sheets com a seguinte estrutura.
Nas linhas, colocamos cada uma das despesas identificadas. Cada coluna identificará um dos próximos meses, sendo que na intersecção da linha/coluna, colocará o montante que deve ter alocado para cada despesa num determinado mês.
A imagem acima representa um exemplo de uma versão simplificada do mapa de despesas. Na primeira linha, temos o saldo num determinado momento, que pode ser atualizado mensalmente ou quando achar necessário. Este saldo é usado apenas para estas despesas. Lembre-se que este dinheiro está hipotecado.
A tabela representa então o mapa de despesas. Para cada serviço, sabemos quando iremos pagar ou temos uma previsão bastante realista para as despesas mensais (água, eletricidade, etc.)
Na linha de total, temos o valor com o somatório de todas as despesas previstas para um determinado mês. Em setembro é esperado que as despesas atinjam sensivelmente os 228 €, enquanto em outubro, o valor será substancialmente superior, atingindo os 2933 €.
Por fim, a última linha, também ela extremamente importante, mostra-nos o saldo remanescente após as despesas de um determinado mês. No final de janeiro, o saldo da conta será de 4222 €, enquanto em outubro será de 1289 €.
Instantaneamente percebemos que não precisamos de nos preocupar até janeiro de 2022, e que no final do mês, teremos ainda 90 € na conta bancária. Isto são 5 meses de liberdade financeira. Que alívio!
Reparou como é tão intuitivo ter uma visão das suas responsabilidades? É caso para dizer que uma imagem vale mais do que 1000 palavras.
#3 – Criar uma conta bancária
É importante ter uma conta bancária unicamente dedicada a este processo para evitar confusões. Em alternativa, pode usar o conceito de “Goal” disponível numa conta bancária digital Moey! e 100% digital e com cartão gratuito. Na prática, é usado o conceito de cofres onde poderá segregar o seu dinheiro para diversos objetivos.
Eu sou fã da Moey! e recomendo vivamente. Ao usar este link para criar uma conta irá receber 10 € na sua conta. Saber mais sobre a conta Moey!
Há algum tempo escrevi também um artigo em que explico mais funcionalidades da Moey!. A minha opinião sobre a conta Moey!
#4 – Ter disciplina e persistência
Por último, e não menos importante. É absolutamente necessário que não comprometa os objetivos deste processo. Tal requer rigor, disciplina e persistência. Ter o dinheiro ali parado quando está a pensar comprar um novo telemóvel é tentador e é por isso que a segregação do dinheiro noutra conta é fundamental.
No início de cada mês reveja e atualize as suas despesas e também o saldo da sua conta Tranquilidade. Se conseguir ter um saldo positivo para os próximos 3 meses, está de parabéns!
Conclusão
Há processos complicados de gestão de dinheiro que podem funcionar mais ou menos bem. Depois há outros que são de uma simplicidade e utilidade espantosas.
Dificilmente me irá dizer que não consegue colocar em prática a conta Tranquilidade por falta de tempo, de meios ou recursos. Quando muito, o motivo de não a implementar será por outra razão qualquer: preferências pessoais, atitude, indiferença, falta de comprometimento, uso de outros métodos que podem funcionar ainda melhor para si, etc.
Resumindo:
A conta Tranquilidade permite-lhe segregar dinheiro numa conta à parte ou num Goal da Moey! de forma que tenha sempre lá dinheiro disponível para as suas despesas irrevogáveis durante um determinado período de tempo, de 3 a 6 meses, preferencialmente.
Recomendo 3 a 6 meses, mas não mais do que 1 ano. Por um lado, queremos ter meios disponíveis para ter tranquilidade durante os próximos meses, mas por outro, também não queremos ter o custo de oportunidade caso pudéssemos ter esse dinheiro investido em ativos. Recorda-se do conceito de ativos versus passivos?
Por último, a independência financeira não é sobre ter milhões na sua conta bancária. É viver plenamente com o dinheiro e bens que tem, e como se relaciona com eles no seu dia-a-dia.
A conta tranquilidade alinha-se perfeitamente com o conceito de fundo de segurança e eu faço uso de ambos. A grande diferença entre eles, é que só se deve tocar no fundo de segurança em casos excecionais e quando não tem outra possibilidade financeira. A conta tranquilidade é uma conta-corrente com a qual você trabalha todos os meses para fazer face a parte das obrigações financeiras mais imediatas.